quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Maputo, 2º dia

Domingo, 29/07/2007 - O unico dia inteiro em Maputo. Para alguns de nós, um tempo curto demais para rever tudo o que nos lembra a memória. O dia começou, de manhã cedo, com uma visita rapida aos vendedores de rua em frente ao Piri-Piri, antes de rumarmos de volta ao Bazar. Piri-Piri malandro, alguma fruta com nomes esquisitos, artesanato, caju e amendoim, eram compras que estavam prometidas de véspera. Dali seguiu-se na redescoberta da velha baixa da cidade, com visita especial ao Museu da cidade, hoje radicado no velho e bem conservado forte da antiga Praça 7 de Março, onde residem o Mouzinho de Albuquerque a cavalo (embora apeado do seu alto pedestal de outrora na mais importante praça da Lourenço Marques colonial) e outros marcos históricos da história portuguesa da cidade e a bonita estação de Caminhos de Ferro da Praça Mac Mahon (como se chamará hoje?). A baixa é, de longe, uma das partes da cidade mais votadas ao abandono. O almoço levou-nos a fazer toda a marginal até ao fim da linha das praias da cidade, mais próriamente até o Restaurante Costa do Sol, famoso pelas mariscadas de domingo. Da parte da tarde, a visita ao Desportivo e ao Sporting (será sempre o Sporting para mim). O Desportivo é hoje uma sombra doutros tempos. O estado de degradação daquelas instalações não se acredita. Como deve ter sido penoso para o meu primo Zé Gordo (como era conhecido) rever o seu clube naquele estado de não conservação. Já o Sporting (pronto, Maxaquene), embora tenha deixado de ser verde e branco, mantém em razoaveis condições o seu pavilhão polidesportivo (como me parece pequeno, hoje), o campo de futebol, os campos de basquete descobertos, o pavilhão de judo num dos topos do campo de futebol. Momento de emoção, foi reencontrar o velho Ernesto, antigo seccionista de basquete das equipas juvenis e juniores comandadas pelo meu pai, hoje responsavel pelo bom estado do relvado do campo de futebol. Ele foi a unica pessoa que reencontrei neste meu regresso a Moçambique. Do Sporting subimos a antiga Augusto Castilho (impecável está o edificio do Tribunal onde trabalhou a minha mãe) e virámos junto ao Radio Clube, para a Praça do Municipio. Hoje a ex-rotunda do Mouzinho de Albuquerque em nada pode competir com a grandeza de outrora, mas o edificio da Camara Municipal continua a fazer bem as honras da cidade. Logo abaixo, na ex Av. D. Luis, a Casa de Ferro e o recuperado ex-Jardim Vasco da Gama, com a sua entrada protegida pela estátua de Samora Machel, ocupando o pedestal que outrora fora de Vasco da Gama, logo em frente ao velhinho Cine-teatro Gil Vicente (com o mesmo nome). Por esta altura já a tarde ia avançada, era importante subirmos a cidade em direcção à ex Rua Latino Coelho, nossa morada durante quase toda a nossa vida em Moçambique. Nós morávamos no cimo da rua bem em frente ao jardim ex D. Berta Craveiro Lopes e o meu primo Zé vivia uma esquina mais abaixo, do lado contrário da mesma rua. É uma sensação indescritivel poder estar de novo ali, naqueles lugares tão estranhamente familiares, depois de tanto tempo. A simpatia de um morador, compreensivo com a causa que nos movia, permitiu-nos invadir os limites do prédio. Espreitar o quintal das traseiras, imaginar a tabela de basquete (que o meu pai me ofereceu quando fiz a 4ª classe), ausente daquele poste, logo ali entre as antigas instalações do Alexandre (era o nosso empregado) e a garagem do velhinho Colt 1200 do meu pai, rever a goteira no telhado da garagem, de onde despenquei, há mais de 30 anos enquanto tacteio com os dedos a linha de fractura na minha clavicula esquerda, olhar o prédio do dentista do outro lado da rua, em frente do qual, em jogatana desajeitada, rasguei o sobrolho direito, marcado para a vida. Ainda agora não consigo perceber se foi bom, se me fez algum bem à alma poder ter estado ali, apalpar aquele passado, presente em detalhes, como aquela grade pintada e aqueles blocos amarelados com que o meu pai fechou aquela varanda de rés do chão há várias décadas atrás, tudo tão igual, só naquele pedaço, naquela rua... Para os mais novos e para quem não tinha raízes naquela cidade, valem apenas os nossos relatos. Com alguma boa vontade, poderiam talvez adivinhar a cidade de outrora, de ruas cheias de acácias, que se cruzam entre si, em fáceis linhas rectas e perpendiculares, estendo-se desde o seu alto até o mar. Mas só conseguem ver, afinal, um local degradado, sujo, intimidatório, a perder rapidamente as raízes com o seu passado. Cada vez que revisito Maputo (esta foi a 3ª vez depois de termos abandonado Moçambique em 1977), me pergunto se vale a pena continuar a voltar, proibido que estou de conseguir ter uma visão afastada do passado, desligada das lembranças. Acho que já disse de mais...
 

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